Às vezes, esses termos são confusos, mas vale a pena explorar a diferença sutil.
Como terapeuta e professor de meditação, estou muito interessado não só no aspecto psicológico mas também no aspecto espiritual da condição humana. Durante minha formação, fiquei fascinado em aprender sobre o termo emergência espiritual (spiritual emergency). Embora o conceito tenha semelhanças com o da psicose, na minha opinião, parece ter uma vibração mais positiva e benéfica, pois pode levar à transformação ou a um sentimento de empoderamento dos indivíduos que passam por ela.
Para fins de tradução a palavra ’emergência’ é utilizada no sentido de ocorrência e afloramento, e não do sentido literal da palavra emergência que denota urgência.
O termo emergência espiritual (às vezes chamada de crise psicoespiritual ou noite negra da alma), foi cunhado pela psicoterapeuta Christina Grov e seu marido, psiquiatra Stanilov Grov.
Gatilhos
A emergência espiritual geralmente ocorre após, ou é desencadeada por, uma intensa experiência física ou emocional que leva o indivíduo a um estado de inspiração que traz insights para melhorar aspectos diversos de sua vida.
Ela também pode ser desencadeada pela falta de sono ou por questões relacionadas ao estresse pós traumático, parto ou aborto. Experiências sexuais extremas também podem levar a uma emergência espiritual.
Às vezes, o gatilho pode estar conectado a uma prática espiritual profunda ou meditação. Outro fato interessante é que, muitas vezes, aqueles que passam por emergências espirituais parecem buscar auto-expressão nas artes através da pintura, música ou escrita – todas as línguas da alma.
Como se parecem
As emergências espirituais podem ser classificadas como experiências de pico (estados elevados de consciência ou extâse), experiências de vidas passadas, canalização com guias espirituais, experiências de Kundalini, posses escuras e noturnas, experiências de quase morte, encontros com OVNIs ou dependência de drogas e álcool.
Parece que uma base cultural pode determinar se uma experiência é rotulada como psicótica ou espiritual. Por exemplo, indivíduos como xamãs, profetas, mestres espirituais, santos ou luminares podem ser considerados brilhantes porque transcenderam a experiência humana.
No entanto, outros que têm experiências semelhantes podem ser rotulados de psicóticos, embora ambos os grupos possam se beneficiar ou se transformar pela experiência.
Tanto as experiências psicóticas quanto as espirituais envolvem escapar dos aspectos limitantes do EU, o que leva a sensações de imensa exaltação e liberdade à medida que os contornos da individualidade que nos restrigem se derretem para dar lugar a consciência do EU superior, onde todos somos UM.
O papel dessas experiência na evolução e transformação
Os antropólogos documentaram como essas experiências às vezes levam a uma revitalização dentro de uma cultura (Wallace, 1956). Os psicólogos transpessoais acreditam que a emergência espiritual pode ser bastante poderosa porque a experiência tende a transcender o ego e pode ser um processo natural de desenvolvimento que possui elementos psicológicos e espirituais.
Por exemplo, Stanislav e Christina Grof descreveram a emergência espiritual como uma crise que geralmente resulta em emoções intensas, pensamentos e comportamentos incomuns e mudanças perceptivas. Essa crise geralmente envolve um componente espiritual – como experiências de morte e renascimento, senso unidade com o universo e encontros com seres poderosos.
Tais crises trazem o potencial de profundas mudanças psicológicas e espirituais (Grof & Grof, 1989), mas muitas vezes parecem ser semelhantes aos distúrbios psicóticos.
A experiência de uma emergência espiritual – se gerenciada e tratada sob supervisão – pode, portanto, mudar a vida e oferecer ao indivíduo um sentimento mais profundo de paixão, sabedoria, amor e entusiasmo pela vida – e uma visão de mundo expandida e saúde psicossomática geral.
Cuidados e Abordagem
Qualquer que seja o método de tratamento escolhido, o cronograma do paciente por meio de registro em diário e do terapeuta por meio de anotações será definitivamente benéfico, sempre tendo em mente que experienciar o evento é crucial. Também pode ser interessante para o cliente revisar e comparar lançamentos no diário, caso haja eventos subsequentes.
Se alguém acredita no princípio de que todas as experiências são transformadoras, e que há algo a aprender com cada uma delas, no momento ou depois, há mais chances de aprender mais com uma emergência espiritual do que com um episódio psicótico, porque pode ser a experiência mais profunda da sua vida.
Como Sócrates disse uma vez: “Nossas maiores bênçãos chegam até nós através da loucura, desde que a loucura nos seja dada pelo dom divino” (Dodds, 1951).
Líderes budistas como Jack Kornfield (1989) sugerem que é melhor rotular esse tipo de experiência sem se identificar totalmente com ela. Ele também recomenda manter um senso de equilíbrio e se ancorar no momento presente, chamando a atenção para o corpo e a terra quando estiver passando por essas experiências.
No cenário ideal, o terapeuta deve, tanto quanto possível, normalizar a experiência e expressá-la de maneira educativa e transformadora. É preferível fazer com que o cliente se sinta anormal. Também é benéfico acentuar o que pode ser aprendido com a situação.
A experiência deve ser vista como um recipiente ou oportunidade de cura, transformação ou crescimento, em vez de algo prejudicial. Em resumo, a principal diferença entre psicose e emergência espiritual tem mais a ver com aquele que a diagnostica e o tratamento sugerido do que qualquer outra coisa.
Infelizmente quando a emergência espiritual é encarada por aquele que a dignostica apenas como uma psicose ignorando os aspectos espirituais, isso pode gerar uma experiência traumática para o indivíduo que está tendo esta experiência pois nestes casos a abordagem é feita apenas através de internações, interdições e tratamentos medicamentosos levando o paciente a crer que está ficando louco o que pode gerar danos muito grandes na vida do mesmo.
Neste caso é muito importante se buscar a opinião e orientação de mais de um especialista para o diagnóstico e tratamento.
Referências:
Dodds, E. (1951). The Greeks and the irrational. Berkeley: University of California Press.
Gortetski, M., Talbourne, M.A., & Storm, L. (2009). “The questionnaire measurement of spiritual emergency.” Journal of Transpersonal Psychology, 41, 81–97.
Grof, S., & Grof, C. (1989). Spiritual emergency: When personal transformation becomes a crisis. New York: St. Martin’s Press.
Kornfield, J. (1989). Obstacles and vicissitudes in spiritual practice. In S. Grof & C. When personal transformation becomes a crisis. New York: St. Martin’s Press.
Wallace, A. (1956). Stress and rapid personality changes. International Record of Medicine. 169(12), 761–774.