Emoções e experiências negativas nos permitem crescer…
Atualmente, alguns influenciadores e professores da espiritualidade (e às vezes até da psicologia) podem soar um tanto quanto superficiais. O Instagram e outras mídias sociais estão repletas de postagens de influenciadores sobre vibrações positivas, sobre não permitir que a energia ou pensamentos negativos cheguem até você, sobre cercar-se apenas de pessoas positivas e solidárias.
Porém, a menos que você viva em uma bolha (ou em Marte), isso não é apenas irreal, mas também uma receita infalível para nunca crescer, ou aprender quem você verdadeiramente é….
Se você tentar transcender ou evitar todas as experiências difíceis, você poderá permanecer emocionalmente atrofiado. Psicólogos e professores que seguem essa linha mais espiritualizada se referem a esse fenômeno como desvio espiritual (ou como tomei a liberdade de chamar aqui de “espiritualidade nutella”).
Você goste disso ou não, as partes feias da nossa humanidade são onde o verdadeiro crescimento e evolução ocorrem. Nas palavras da professora, autora e monja budista Pema Chödrön:
Sentimentos como decepção, vergonha, irritação, ressentimento, raiva, ciúme e medo… são realmente momentos muito claros que nos ensinam onde é que estamos nos escondendo. Eles são como mensageiros que nos dizem, com uma clareza assustadora, exatamente onde estamos presos.
Muitas emoções servem como bandeiras, indicando uma oportunidade para aprendermos. Dificuldades, desafios, tristeza, mudança, desconforto, conflito, ódio, depressão e ansiedade também são caminhos para o crescimento e para mudança.
Podemos explorar e aceitar as partes de nós mesmos que a sociedade nos impele a manter escondidos. Experiências dolorosas ou desconfortáveis nos permitem superar nossos estados emocionais e espirituais atuais.
A falsa positividade pode perpetuar muito o estigma em torno das doenças mentais. Incentivar alguém que tem depressão clínica a se concentrar no positivo não é útil e pode realmente causar mais danos. Esse conselho pode reforçar a sensação de que eles são culpados, porque eles não podem simplesmente se sustentar com as próprias pernas.
Costumo dizer que às pessoas que lutam contra a depressão estão mais sintonizadas com a experiência e as emoções humanas reais do que necessariamente com essa recente agenda da vibração positiva.
A maioria dos meus clientes não fazem terapia ou buscam orientação, porque tudo em suas vidas está indo maravilhosamente bem. Na verdade grande parte deles estão presos em algum tipo de padrão repleto de emoções negativas e parecem não conseguir se libertar delas.
Às vezes, precisamos de uma pessoa de fora, imparcial às nossas dores, para nos ajudar a ver do que estamos fugindo ou nos desafiar a enfrentar o que não estamos dispostos a sentir. Afinal de contas não podemos curar aquilo que não sentimos.
Amigos e entes queridos não podem fazer isso por nós; temos muitos laços emocionais com eles. Mas buscar esse tipo de ajuda é essencial pois pode nos levar a mudanças verdadeiramente duradouras em nossas vidas.
É preciso muita coragem para parar de fingir que você não tem as suas próprias sombras e traumas de infância, e aceitar que tudo isso está aí, acontecendo dentro de você e te tornou essa pessoa que você é hoje. E se existe algo que você deseja mudar, alcançar ou realizar que ainda não conseguiu, são essas sombras e traumas que inconscientemente estão fazendo com que você se auto sabote.
O caminho da evolução pede total integração de todas as facetas do eu: bom, ruim e feio.
Às vezes, não há nada a se fazer com essas emoções. Às vezes, precisamos simplesmente reconhecer esses sentimentos – sentar com tristeza, ressentimento ou ciúme sem tentar mudar a experiência ou separá-la.
Temos que nos permitir desdobrar, e testemunhar as nossas emoções inundando o nosso sistema, respirar através dos lugares dos nossos corpos ao quais estamos presos. Sentimos um abrandamento quando damos espaço para todas as emoções se manifestarem, e não apenas aquelas que nos fazem se sentir bem.
Se pudermos permitir que o espaço e a aceitação sejam multifacetados, experimentaremos a vida ao máximo. Ser humano significa enfrentar o sofrimento. Não há luz sem escuridão, nem alegria sem tristeza. Se não experimentamos todos os sentimentos, não temos base para comparação.
Se fugirmos de certas emoções, mantendo-nos ocupados, expressando falsa positividade ou abusando de substâncias que alteram o humor, estamos cortando metade da nossa existência.
Quando paramos e honramos as emoções difíceis, temos a oportunidade de viver plenamente e integrar todas as partes de nós mesmos. Esses sentimentos nos atormentam apenas até pararmos de fugir deles – e da verdade de quem somos.
Da próxima vez que sentir raiva, medo ou tristeza, te desafio a fazer uma pausa, ficar quieto e em silêncio. Observar a sensação em seu corpo, perceber onde essa emoção se manifesta no seu corpo e então respire fundo nesse espaço, por diversas vezes. Você pode até colocar a mão no local – peito, estômago, garganta – onde a emoção parece residir no seu corpo.
Quando você reconhece esses sentimentos, você realmente honra sua humanidade. Você pode sentir um afrouxamento ou uma emoção desafiadora tomando conta de você. Mas ela logo vai desaparecer, como uma onda que bate na praia antes de recuar para oceano.
Aquilo que te incomoda nos outros, é apenas um reflexo de si mesmo
Também é importante se responsabilizar pelos seus sentimentos. Ninguém pode fazer alguém se sentir de uma maneira particular ou outra. Pode até parecer que alguém está nos provocando, mas a fonte desse desconforto está sempre presente dentro de nós. É a nossa escolha se sentir desta maneira, ou não. Culpar outra pessoa por sua raiva ou ressentimento é uma maneira muito fácil de ignorar o trabalho interno tão essencial para a sua evolução.
Aquilo que te incomoda nos outros, é apenas um reflexo daquilo que você não trabalhou em si mesmo.
O caminho da evolução pede total integração de todas as facetas do “EU”: bom, ruim e feio. Não desanime com os momentos e as emoções difíceis e não os afaste, ou, diminua a experiência de outras pessoas incentivando a falsa positividade.
Descobrir e entender o “EU” é uma jornada ao longo da vida que exige a rejeição de atitudes convencionais e a máscara da positividade.
June Singer, psicólogo americano, coloca desta maneira:
É fácil dizer “seja você mesmo”, mas outra coisa é saber quem você realmente é. Como você pode ser você mesmo se nem conhece esse seu “eu”? Portanto, o processo de evolução torna-se uma busca pelo autoconhecimento.